Introdução
O presente trabalho da cadeira de direito constitucional público e privado, abordou – se Inconstitucionalidade designa conceito de relação, isto é, “a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – um comportamento – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”.
No entanto, a ideia de conformidade ou inconformidade é incompleta. A constitucionalidade não está ligada apenas a critérios materiais (entra ou não em conflito com artigos já positivados na Constituição), mas também a critérios formais (determinada norma foi ou não editada por autoridade competente e como a Constituição determina).
Não se configura suficiente uma sanção directa ao órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência não o retira do ordenamento jurídico, fazendo com que o conceito de inconstitucionalidade converta-se em simples crítica.
REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
O Poder Constituinte Derivado ou Poder de Emenda é lídimo responsável pelas alterações – emendas ou revisão14 – em face do texto constitucional exarado pelo Poder Constituinte Originário. A competência para tal desiderato foi conferida pela própria Constituição, ao Congresso Nacional.
Entretanto, o poder de reforma é limitado, devendo ater-se aos limites e formas fixados pelo Poder Constituinte Originário, sem olvidar dos parâmetros de ordem formal, material, temporal e circunstancial.
Ademais, as limitações ao Poder de Reforma dividem-se em explícitas e implícitas. As limitações formais explícitas dizem respeito à forma a ser obedecida, o procedimento para instituição de emendas e/ou revisão, enquanto as materiais explícitas consubstanciam-se em cláusulas pétreas explícitas, insculpidas, especialmente, no artigo 60, §4º e seus incisos, da Constituição.
Assim, forçoso é reconhecer que qualquer tipo de reforma tendente a modificar o procedimento de emenda à Constituição (limitação formal) ou mesmo a modificar o titular do Poder Constituinte (limitação material), criando, vale dizer, situações não esposadas pelo Poder Constituinte Originário, usufruindo de poderes que outrora não lhe foram concedidos, estará colocando em xeque a constitucionalidade, podendo ferir cláusulas pétreas implícitas na Constituição.
Em que pesem os argumentos contrários, a ampla discussão sobre o tema é imprescindível para o Estado Democrático de Direito.
A uma porque as PECs almejam criar na Ordem Constitucional um novo quorum para a sua aprovação, que será o de maioria absoluta em cada Casa Legislativa, com votações separadas, que deverá passar por dois turnos de discussão e de votação, sendo que a discussão das propostas será realizada em sessão unicameral, alterando, outrossim, a limitação formal explícita traçada pelo artigo 60 do texto constitucional de 1988:
É preciso deixar claro que a PEC 157, que visa à redução do quorum de três quintos para maioria absoluta, à diminuição dos turnos de votação, bem como à reunião unicameral das Casas Legislativas, enfim, a uma simplificação do processo legislativo de reforma, é inconstitucional, estando sujeita à declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário. Tão inconstitucional que o porteiro do STF deveria declará-la, dispensando- se os Ministros da Corte de apreciar tamanha heresia.
A dois porque a revisão constitucional prevista pelo Poder Constituinte
Originário possui eficácia exaurida20, já que fora realizada em 1993, sendo, portanto, vedada a criação de uma nova Assembleia Constituinte Revisional:
Ora, é preciso entender que só se pode convocar uma Constituinte na hipótese de ruptura institucional, que deve ser grave, com as instituições inviabilizadas, povo na rua, economia em crise, etc. Não se dissolve um regime democrático porque se quer fazer outro (como seria esse ‘outro’?). A Constituição é coisa séria, fruto de uma repactuação (‘We the People…’). E nela colocamosn cláusulas pétreas e forma especial de elaborar emendas.
Portanto, alto lá! Não se pode fazer política e vender falsas ilusões em cima daquilo que é a substância das democracias contemporâneas: o constitucionalismo.
Nas PECs 554/97 e 157/03, com exceção dos direitos sociais previstos nos artigos 6º a 11, bem como das cláusulas pétreas descritas no artigo 60, § 4º e seus incisos, da Constituição da República, tudo mais poderá ser alterado. Já quanto a PEC 341/2009, nem há essa limitação. Absolutamente tudo poderá ser alterado.
Em que pese a tentativa de minorar os nefastos efeitos das PECs 554/1997 e 157/2003 ante a realização de referendo popular, é interessante assinalar que “plebiscitos e referendos foram instrumentos utilizados com freqüência como meio de manipulação pública pelas piores ditaduras, o que nos revela que a participação direta, por si só, não é qualquer garantia”
E é de primacial importância pontuar que o controle de constitucionalidade preventivo transcorre pela constitucionalidade das propostas, haja vista os pareceres favoráveis das Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania.
(I) LEGALIDADE E (I) LEGITIMIDADE
Nesta esteira, é pertinente trazer à baila a problemática relação cidadão – Parlamento no que tange aos influxos democráticos, e, da constatação de que o Parlamento está ensurdecido em relação a esses influxos37. Com efeito, toda e qualquer deliberação legislativa carece de amplos debates, de forma a concretizar um modelo de eclusas38, no qual o Parlamento se abre aos influxos da periferia e delibera com liberdade de atuação. Entretanto, o que se vislumbra, mais uma vez, é a ausência de ampla participação democrática quanto à tramitação dessas propostas de revisão constitucional, caracterizando a colonização39 do processo legislativo pelos defendentes de políticas neoliberais, tendenciosos a desconstitucionalizar direitos, sobretudo os sociais.
Uma norma só é aceita positivamente quando ela se reveste de um procedimento juridicamente válido. A validade social das normas do direito é determinada pelo seu grau de imposição, ao passo que a legitimidade das normas jurídicas se mede pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão de validade normativa:
A validade social de normas do direito é determinada pelo grau em que consegue se impor, ou seja, pela sua possível aceitação fática no círculo dos membros do direito.
Em outras palavras, esse “transformismo normativo”30 dá azo à transmutação de um discurso jurídico lastreado pelos rigores de objetivação para um discurso político-constitucional carreado por programas e diretivas de agendas políticas, o que reduz os direitos sociais a conceitos normativos abertos, na freqüente “confusão entre direitos sociais e políticos e políticas públicas de direitos sociais”31.
É evidente que a mera previsão dos direitos sociais no texto constitucional não foi capaz de elidir as objeções a sua inserção nem mesmo o déficit de ineficiência desses direitos, notadamente sua (in) efetividade. Ancorados nessa indeterminação é que postulam alguns sua realocação infraconstitucional. Nesse sentido:
Entre os temas preferidos pela doutrina (e que acabam refletindo, com maior ou menor intensidade, na esfera jurisprudencial, legislativa e administrativa) destacam-se, notadamente, em matéria dos assim chamados direitos sociais, tanto as teses que questionam a própria constitucionalização de tais direitos (sustentando até mesmo que, no todo ou em parte, tais direitos nem mesmo deveriam estar na Constituição!) quanto os clamores daqueles que, embora admitam a possibilidade de ter tais direitos previstos no texto constitucional, refutam a sua condição de autênticos direitos fundamentais. Além disso, assume particular relevância a controvérsia em torno do regime jurídico-constitucional dos direitos sociais, uma vez reconhecida a sua condição de direitos fundamentais, o que, por sua vez, remete ao problema de sua eficácia e, por conseguinte, de sua efectividade.
Porém, como visto, a própria teoria dos direitos fundamentais sofreu também consideráveis alterações nos últimos anos, principalmente conquanto a sua concepção e ampliação. A uma porque se considera que os direitos fundamentais são trunfos34, não dádivas, permissivos ou garantias contra ingerências estatais, como outrora. A dois porque os direitos fundamentais devem ser compreendidos não apenas como aqueles taxativamente elencados na Constituição Federal, mas todos aqueles oriundos de legislação infraconstitucional e de tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Ao passo que a legitimidade de regras se mede pela resgatabilidade discursiva de sua pretensão normativa; e o que conta, em última instância, é o fato de que elas poderiam ter sido justificadas sob pontos de vista pragmáticos, éticos e morais.
A legitimidade de uma regra independe do fato de ela conseguir impor-se. Ao contrário, tanto a validade social, como a obediência fática, variam de acordo com a fé dos membros da comunidade de direito na legitimidade, e esta fé, por sua vez,
apóia-se na suposição da legitimidade, isto é, na
fundamentabilidade das respectivas normas.
A norma torna-se jurídica no momento que ela é elaborada por um procedimento jurídico e tem validade social quando ela é aceita de fato pelos afetados por essa norma – quando os cidadãos a aceitam, e, se legitima apenas quando o seu conteúdo provém da discussão social.
Nesse sentido, é possível diferenciar legalidade e legitimidade: a legitimidade de uma norma independe do fato de sua imposição no meio social, e o direito positivado corre o risco de perder seu poder de integração social se a legalidade não for norteada pela legitimidade.
Na realidade, a criação democrática do direito constitui a única fonte pósmetafísica de legitimidade, no sentido proposto por Jürgen Habermas:
Onde se fundamenta a legitimidade de regras que podem ser modificadas a qualquer momento pelo legislador político? Esta pergunta torna-se angustiante em sociedades pluralistas [como a nossa], nas quais as próprias éticas coletivamente impositivas e as cosmovisões se desintegram e onde a moral pós-tradicional da consciência, que entrou em seu lugar, não oferece mais uma base capaz de substituir o direito natural, antes fundado na religião e na metafísica. Ora, o processo democrático da criação do direito constitui a única fonte pós-metafísica da legitimidade. No entanto, é preciso saber de onde ele tira sua força legitimadora.
A teoria do discurso fornece uma resposta simples, porém inverossímil à primeira vista: o processo democrático, que possibilita a livre flutuação de temas e de contribuições, de informações e de argumentos, assegura um caráter discursivo à formação política da vontade, fundamentando, desse modo, a suposição falibilista de que os resultados obtidos de acordo com esse procedimento são mais ou menos racionais.
Conclusão
A referência a inconstitucionalidade por acção, portanto, abrange os actos legislativos incompatíveis com o texto constitucional.Pelo exposto, nota-se que a inconstitucionalidade não se dá apenas pela acção do legislador ao editar lei que vai contra os mandamentos da Constituição, mas também quando descumprir suas obrigações constitucionalmente descritas, simplesmente por não legislar ou por legislar de forma incompleta.No controle incidental a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo principal, a questão da lide é decidida com base na constitucionalidade ou na inconstitucionalidade de determinada aplicação legal.
Finalmente, vimos que há mais de um tipo de declaração de inconstitucionalidade, ou seja, pode ser ela formal, material, superveniente, originária, por acção e/ou por omissão.